Caju: Sabor brasileiro
O cajueiro, Anarcadiáceas, apresenta-se em torno de quinhentas espécies conhecidas, entre elas a Anarcadium Occidentale L., segundo Southey a árvore mais útil da América. Nativo do Brasil, da Mata Atlântica, do Nordeste, foi levado para a África, para a Ásia e América Central.
O Brasil ainda revela seus imaginários de um paraíso tropical, certamente em virtude das chamadas belezas naturais, reunindo diversos ecossistemas, incluindo-se amplo litoral, montanhas, florestas, vales, áreas alagadas como o pantanal, o cerrado, bacias hidrográficas magníficas como a da Amazônia, rios quase continentais como o São Francisco, enfim cenários privilegiados de flora, fauna e também de diferenciada ocupação humana, de cultura e de interpretações dessa diversidade que identifica e marca o país.
Entre os muitos símbolos desse Brasil tropical, de natureza variada e generosa estão as frutas. Frutas carnudas, coloridas, saborosas, de odores e de gostos especialíssimos. Muitas frutas chegaram pela mão do colono português, introduzindo a manga, a jaca, a fruta-pão, a banana, todas originárias do Oriente, contudo as frutas da terra, nativas são muitas e de ocorrência nacional e assim destaco o nosso tão conhecido e celebrado caju.
“(…) umbus, cajás (cujo refresco ou o sorvete depura o gosto e nos transporta a um deleite de eleitos próprio sabor de néctar ao sol nordeste), abius, araçás, canas,
jacas e oitis
veras goiabas (…)
pinhas, graviolas
cajus, pitangas
e carambolas
jambos, pitombas
e tamarindos
cocos, melões
limas-de-umbigo
e mimo-do-céu
maçarandubas
e mais limão
e melancias
e até mesmo
a fruta-pão.”
A exuberância e variedade de formas, de estéticas ecológicas, sempre marcam as nossas frutas, diga-se: frutas do mundo aqui nacionalizadas e tantas outras nativas, da terra, que juntas constituem esse rico acervo de cheiros e paladares que fizeram com que os viajantes, homens de arte e de ciência que vieram de diferentes partes da Europa para conhecer, documentar e revelar para o mundo essas terras tão exóticas, diferentes, de um Brasil tropical, pudessem exercer diferentes formas de documentação.
Entre tantos viajantes artistas destaco Albert Eckhout, pintor que chegou ao Brasil, Pernambuco, por convite de Mauricio de Nassau, 1637/1644.
Eckhout, nasceu em Groningen, Holanda, 1610 e integrou a corte de Mauricio de Nassau, convivendo com outro pintor Frans Janz Post.
O trabalho visual, pinturas, de Eckhout ganha excepcional valor documentalista, registrando pessoas, tipos de características étnicas bem definidas e principalmente elementos de uma natureza muito colorida, diferente, marcada por frutas, árvores, flores, animais e cenários de uma exuberante natureza. No caso destaco uma das pinturas mais conhecidas de Eckhout chamada Mameluca, onde vê-se exímio trabalho de desenho botânico de cajueiro e seus frutos.
A obra de Eckhout encontra-se no Museu de Copenhague, 1641, ofertada por Mauricio de Nassau ao rei da Dinamarca, Frederico III.
A pintura Mameluca, retrata um tipo étnico, mistura de elementos raciais entre o branco, no caso o português, e o ameríndio, o nativo do Brasil.
Em descrição detalhada da pintura de Eckhout, temos a seguinte análise: “(…) ainda em plano próximo salienta-se uma árvore, um cajueiro (Anacardium Occidentale L.) abundantemente frutificado e com os cajus em diferentes estados de maturação (…).”
O interesse em retratar o caju em um conjunto de onze telas, destaca a ocorrência e o significado da fruta para a região Nordeste, para ampla área da costa brasileira.
A fruta de muitos usos
“De várias cores são os cajus belos,
Uns são vermelhos, outros amarelos,
E como vários são nas várias cores
Também se mostram vários nos sabores:
E criam a castanha
Que é melhor, que a de França, Itália, Espanha.”
O cajueiro é uma árvore celebrada e está no variado imaginário tradicional e popular brasileiro. Além do consumo da fruta in natura e muitos outros aproveitamentos da culinária enquanto doce, vinho, castanha assada que é muito apreciada e consumida como acompanhamento de bebidas ou na receita de bolos como o pé-de-moleque, um prato que integra a mesa festiva do ciclo junino é alimento diário de muitos brasileiros.
Além das formas doces: em calda, como passa destacando o açúcar da fruta, a tão celebrada passa de caju, um quase símbolo do Ceará está ainda em pratos salgados, destacando-se a famosa moqueca de maturi.
As bebidas feitas de caju também ampliam possibilidades gastronômicas e comerciais. Inicialmente a tão conhecida cajuada – suco de caju, excelente bebida refrescante e muito saudável. Ainda de maneira industrial a cajuína e o vinho de caju, além do licor e outras criações próprias da dinâmica inventiva das cozinhas.
“Sou amante da branquinha
do caju sou camarada
Sou amigo do copinho
Quando bebo uma bicada”.
A estética do caju e do cajueiro
“Cajueiros de setembro
Cobertos de folhas cor de vinho
Anunciadores simples dos estios
Que as dúvidas e as mágoas aliviam.
Aqueles que, como eu, vivem sozinhos.
As praias e as nuvens e as velas das barcaças.
Que vão seguindo além rumos marinhos
Fazem com que por tudo se vislumbrem
Luminosos domingos em setembro.
Cajueiros de folhas cor de vinho.
Presságio, amor de noites perfumadas.
Cheias de Luz, de promessas e carinhos,
Vivas canções serenas e distantes.
Cajueiros de sabores inocentes
Debruçados à beira dos caminhos.”
A forte presença do caju no imaginário brasileiro ocorre em diferentes técnicas artesanais, retratando a fruta como tema principal ou compondo cenas regionais presentes no nosso artesanato/arte popular.
Na xilogravura, o caju é um componente que centraliza muitas obras, ocorrendo ainda de maneira alegórica. Há uma referência dominante sobre o caju enquanto símbolo do trópico, do sol, das cores fortes e quentes e assim é interpretado e incluído em vasta produção dos gravadores populares.
Entalhes de madeira, pinturas sobre tecido, bordados, pinturas em material cerâmico, sobre outras superfícies, pinturas sobre papel e tela entre muitas outras técnicas revelam a inventiva tradicional e contemporânea de mostrar o caju e sua trajetória, unindo o valor da fruta telúrica e demais temas que identificam a natureza brasileira, o cotidiano, a festa, o homem regional.
Também nas tradições orais, na literatura, nas cantigas o caju é um tema muito ocorrente, fazendo diferentes autores louvar e relacionar a fruta com estéticas que revelam o Nordeste interpretando o homem do litoral, o ciclo das colheitas em um tempo em que os cajueiros chegam com suas flores bancas e dão frutas coloridas, exalando odores, anunciando sabores e preferências do brasileiro.
Como o coqueiro (cocos nucifera L.) para o Oriental, notadamente o indiano, o cajueiro seria o mesmo para o brasileiro, representando se houvesse uma árvore símbolo do paraíso em virtude das inúmeras possibilidades do seu aproveitamento para a vida do homem.
O cajueiro é uma árvore de múltiplos usos, sendo para o nativo, o da terra, uma espécie botânica que alimenta, que produz remédios, cuja madeira é empregada para a construção de embarcações, especialmente a jangada, além de representar no imaginário popular uma das plantas mais queridas do Nordeste.
Assim, estabelecem-se profundas relações entre o brasileiro e o cajueiro, tendo na fruta uma forte referência de cultura.
Pois o homem, esse eterno tradutor do meio ambiente, usa e dá significados aos inúmeros elementos da vida natural e assim vai representando os seus entornos e se representando, construindo identidades.
Os sabores:
Bolo pé-de-moleque
“Quatro ovos, seis xícaras de massa de mandioca, meio quilo de açúcar de segunda, uma xícara de castanhas de caju, um coco, três colheres de sopa de manteiga, erva-doce, cravo e sal. Espreme-se a massa, passa-se numa peneira, depois junta-se o leite de coco tirado com um pouco d’água. Em seguida, os ovos, a manteiga, o açúcar, as castanhas, uma colherzinha de sal e outra de cravo e erva-doce. Leve-se ao forno numa forma untada e põe-se em cima algumas castanhas de caju inteiras.”
Moqueca de maturi
A moqueca urbana, das nossas mesas é um tipo de guisado de peixe, de carne, de camarão, de ovos, de maturi entre outros, temperado com azeite-de-dendê, leite de coco, pimenta entre outros.
Há ainda a chamada moqueca de folha, segundo a tradição é a moqueca original e feita de peixe, com muita pimenta malagueta, envolto em folha de bananeira e depois moqueado, tipo de cozimento que acontece com uso de grelha, certamente um costume indígena.
Para se fazer moqueca de maturi os ingredientes são os seguintes: maturi, azeite-de-dendê, azeite de oliva, leite de coco, cebola, tomate, sal, cheiro-verde, pimenta malagueta.
Carne de caju
Dez cajus inteiros, uma cebola, quatro dentes de alho, dois tomates, azeite de oliva, sal, pimenta-do-reino e cheiro-verde.
Prepare a massa dos cajus e adicione os demais ingredientes em uma panela.
A carne de caju é acompanhada de arroz.
Doce de caju à moda de Pernambuco
“Escolhem-se cajus, que não estejam muito maduros, e que sejam sem mácula, e que devem ser descascados com uma casca de marisco, de modo que se tire toda a pele, e os talos, para que o doce não fique preto; piquem-se com um palito, extraindo-se metade do sumo, depois desta operação fervam-se em calda, e logo que tenham fervido, retire-se todo o doce do fogo e feixe repousar até o dia seguinte, a fim de ficar a fruta bem repassada na calda. Depois torna a voltar tudo ao fogo, para tomar o competente ponto. Retira-se, e guarde-se em vasilhas.”
RAUL LODY