Sandra Lyra - SENAC-AL

Sabe-se que o queijo faz parte da alimentação humana há cerca de 5 mil anos, sendo usado em sua produção vários tipos de leite e processos diversos na fabricação, seja artesanal ou industrial. A industrialização do processamento do leite e sua utilização sendo matéria prima em diversos produtos geram renda e fazem rodar a economia, com pequenas, médias e grandes fábricas.

De acordo com o IBGE (2006), o Estado de Alagoas possuía 18.320 estabelecimentos que produziam leite. Associados a CPLA (Cooperativa de Produção Leiteira de Alagoas), em 2016, eram 4 mil produtores de leite. A bacia leiteira formava o maior centro produtor de leite in natura da região Nordeste em 1990. É importante salientar que a região da bacia leiteira existe há 80 anos, e sua relevância é tanta, que quando está fragilizada a economia dos municípios é impactada provocando crise no comércio local.

Hoje em dia, o polo da Bacia Leiteira de Alagoas é o mais abrangente na produção de leite in natura, formado por aproximadamente 3 mil produtores rurais, empregando 25 mil pessoas de forma direta e indireta. Sua produção atinge o consumo em todas as capitais do Nordeste e algumas capitais do Sudeste no Brasil. A cadeia produtiva de leite de Alagoas é formada por 86% de pequenos produtores. A cadeia apresenta grande relevância socioeconômica para o estado, sendo uma das atividades mais presentes no semiárido alagoano, onde a produção se concentra na região da Bacia Leiteira (37,4%) e do Polo Leiteiro (61,1%).

A região da Bacia Leiteira abrange uma área de 2.782,9 km², sendo composta por onze municípios: Batalha, Belo Monte, Cacimbinhas, Jacaré dos Homens, Jaramataia, Major Izidoro, Minador do Negrão, Monteirópolis, Olho D’Água das Flores, Palestina e Pão de Açúcar. A região da Bacia Leiteira, com exceção da Palestina, junto com os municípios de Dois Riachos, Estrela de Alagoas, Igaci, Olivença, Palmeira dos Índios, Santana do Ipanema e São José da Tapera formavam a região do Polo Leiteiro.

A produção de leite está presente em quase todos os municípios alagoanos. Conforme o mapa que mostra a quantidade produzida de leite em Alagoas, os municípios que mais se destacaram em 2012 foram Palmeira dos Índios e Major Izidoro.

Anualmente acontece um seminário para produtores de leite e derivados (Proleite), promovido pelo Serviço Nacional da Indústria (Senai/AL), em parceria com o Sebrae/AL, que promove também um concurso de lácteos, que já esta na 21ª edição.

Presidente da Fiea e anfitrião do Proleite, o empresário José Carlos Lyra de Andrade ressalta que a Indústria do leite é a segunda que mais emprega em Alagoas, e que o estado tem o quinto rebanho leiteiro mais produtivo (por vaca) do país.

Com tantos pequenos produtores, foi natural que fossem sendo criadas possibilidades de aproveitamento do leite que era produzido e não totalmente comercializado. As famílias comercializavam seu leite diretamente para o consumidor, e o que sobrava era destinado ao consumo da casa e produção de queijo. Assim começou a história de muitos laticínios que hoje tem uma grande produção de queijo coalho, queijo de manteiga, coalhadas, iogurtes e manteiga.

Venho de uma dessas famílias. Meu avô era um pequeno produtor de leite no sertão Pernambucano, em Águas Belas. Meu pai foi criado lá, e desde pequeno já ordenhava as vacas e ajudava a mãe nas tarefas, sendo que o leite que sobrava era usado na alimentação da família e para fazer um requeijão que até hoje fazemos (receita em anexo).

Apesar de hoje residirmos em Alagoas, meu pai é produtor de leite numa propriedade em Pernambuco. E apesar de quase todo o leite ser vendido para grandes multinacionais, reservamos um pouco para o consumo da família, fazemos o requeijão, manteiga de garrafa, ricota e queijo coalho.

Todas essas produções são bem comuns em todas as fazendas que produzem leite aqui no estado. Como o objetivo dessa pesquisa é falar sobre os queijos alagoanos, através de entrevista com comerciantes de queijos e também com meu pai, consegui identificar a existência de dois queijos alagoanos, um de nome Bazulaque, produzido no município Atalaia e região, distante 50 km de Maceió. O outro é conhecido como Macururé, produzido por uma pequena comunidade da zona da Mata do município de Jacaré dos Homens, a 196 km de Maceió.

O mais viável foi ir à Atalaia, já que meu irmão conhece um fazendeiro que produz o queijo Bazulaque. Em 29 de fevereiro de 2019, nos deslocamos para uma visita de campo ao município de Atalaia. Fomos recebidos na Fazenda Ocidente, pelo bisneto Thiago Marinho Tenório, hoje com 40 anos, que atualmente administra a propriedade da família. Ele contou que as terras foram adquiridas pelo bisavô Juca Tenório Costa, que se instalou na região por ser próxima da Usina Ouricuri,  uma região mais desenvolvida.

A bisavó Isabel Tenório Cavalcante sempre morou na propriedade e foi apresentada ao queijo Bazulaque pelas empregadas da região. A fazenda criava gado leiteiro e quando sobrava o leite, era feito o queijo. Por ser uma pessoa muito dinâmica passou a fazer o queijo para vender no município e na padaria também de propriedade da família. Assim o queijo foi sendo passado de geração em geração. O neto tentou dar continuidade à produção do queijo, mas tornou-se inviável já que a produção é muito artesanal, com pouco retorno financeiro.

Quem fez o queijo conosco foi a Neta, empregada da fazenda desde menina, que aprendeu com a mãe e a avó a produzir o queijo. Ela nos contou que não sabe de onde vem o queijo, sendo que ela fazia, junto com outras empregadas da fazenda, às quintas e sábados, e os queijos eram levados para serem vendidos na cidade, isso na época dos avós do Thiago.

Para fazer o queijo, o leite era levado do curral direto para a casa grande, e lá era coado e colocado num caldeirão, coberto com um pano e deixado para coalhar de um dia para o outro, em temperatura ambiente. Às vezes podia demorar até três dias para coalhar. Mas depois que o leite coalhava, era retirado o creme que ficava em cima do coalho e a panela era levada ao fogo para aquecer e concentrar mais o coalho, mas não podia ferver.

Depois, essa massa era peneirada para escorrer o soro, colocada novamente na panela, acrescentando mais leite cru, e levando novamente ao fogo até aquecer. Nunca podia ferver. Era peneirado novamente, espremido e levado ao fogo para cozinhar, nesse momento acrescentava manteiga, feita com o creme que tinha sido retirado. A consistência ao sair do fogo é similar a um requeijão, e depois de frio ele fica em ponto de cortar. Na fazenda Ocidente, costumavam comer em fatias, com doce, ou derretido na frigideira.

Para fazer 1 kg do queijo Bazulaque, são necessários 18 litros de leite. O teor de gordura do leite afeta o rendimento do queijo, e quanto mais gordura tiver o leite maior será o rendimento. Isso está diretamente relacionado à alimentação dada para as vacas. Quanto mais bem alimentadas elas estiverem, maior será a produção de leite. A ração deve ser rica em proteínas, para que se transformem em gordura. Outros pequenos proprietários continuam produzindo o queijo e vendendo localmente, porém fora da região o queijo não é encontrado.

No dia 20 de março (2020), conversei com Zé Vasconcelos, também conhecido como Zé do Queijo, nascido e criado em Viçosa, cidade próxima de Atalaia. Ele trabalha no comércio de queijos, viaja por Alagoas, Pernambuco e Paraíba, comprando e vendendo queijo coalho, queijo manteiga, queijo bazulaque, manteiga de garrafa e outros itens que são encontrados no interior. Roda as repartições oferecendo seu produto e já tem um mercado cativo.

Ele conta que o Bazulaque é o único queijo tipicamente alagoano, e que era feito pela avó Carminha, que aproveitava o leite que não era vendido para produzir o queijo. O costume era consumir o queijo derretido com um pouco de leite, e chamavam de requeijão porque ficava cremoso. Bastava amassar um pouco do queijo com um garfo, colocar numa panela e levar ao fogo com um pouco de leite. Comiam com cuscuz, macaxeira, inhame. Sua mãe, hoje com 87 anos, fazia também o queijo.

Receitas

Aprenda a fazer Queijo Bazulaque

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