Marcilene Machado - SENAC-PI

Não há tantos registros, não há muitos históricos, nem tampouco é reconhecido como um estado com tradição na produção de queijo artesanal. Esta realidade talvez possa ser justificada pelos dados do IBGE, que apresentam o Piauí com um índice ainda pequeno de produção de leite. No entanto, mesmo diante de tal justificativa, produzimos queijo, sim.

Nas minhas observações, foi percebido que existe ainda um número considerável de queijos fabricados em quintais, nas condições mais artesanais, utilizando utensílios, métodos e receitas tradicionais e que são facilmente encontrados nas feiras livres. E, claro, como acontece em todo o Nordeste, o queijo coalho é o campeão da produção aqui no Piauí.

Esse tipo de queijo, um dos mais populares do Brasil, tem sua origem nordestina e a versão mais aceita é que, em meados do século XVII, viajantes nordestinos levavam leite armazenado em bolsas feitas a partir do estômago de ruminantes. Assim, em virtude da longa jornada e por conta do material em que era transportando, o líquido coagulava e formava uma pasta de sabor agradável. Foi então que o queridinho do Brasil e genuinamente nordestino, queijo coalho, surgiu.

No Piauí, o queijo coalho é uma guarnição que, unindo-se a outros ingredientes ou mesmo sozinho, faz muito sucesso entre os piauienses, quer grelhado no espetinho, nas praias, quer servido natural, acompanhando um cafezinho puro, pela manhã ou no finzinho da tarde, como os sertanejos que conversei gostam de apreciá-lo. Inclusive, pude presenciar que esta é uma forma de receber os amigos, principalmente no fim do dia, em que as cadeiras de espaguete ou tamburetes nas varandas ou nas calçadas tornam o ambiente mais acolhedor e aconchegante para iniciar aquela conversa gostosa, leve e devagar. E completando esse momento suave como a brisa do crepúsculo, o convite sempre vem: vai um cafezinho? E ele chega, aromático, puro, e junto dele um prato com pedaços retangulares de queijo coalho. Uma delícia!

Mas no Piauí, além dos queijos caseiros, há também fábricas de laticínios que produzem queijos. Algumas dessas fábricas defendem seus queijos como artesanais e comercializam nas redes de supermercados locais. Citarei nesta observação duas fábricas, sendo uma em Teresina e uma na região Sudeste do estado, no município de Picos.

Em Teresina, a fazenda Vale do Leite, situada a 3 km da zona urbana, é uma referência na produção leiteira e começa a crescer também na produção de laticínios. A fazenda tem mais de 40 anos e funciona em um espaço privilegiado, com condições favoráveis para a produção de leite e seus derivados. Possui aproximadamente 140 cabeças de gado da raça girolando, e as vacas produzem cerca de mil litros de leite por dia. Contudo, nem todos os produtos da marca Vale do Leite são feitos com leite próprio. Para isso, a fazenda recebe o produto de outros criadores da região.

Após se consolidar no mercado com a produção de leite, há dois anos, o proprietário da fazenda decidiu diversificar com a produção também de seus derivados. A empresa afirma em suas redes sociais que a fabricação de queijo e outros produtos derivados do leite seguem todos os padrões de qualidade ao estilo das queijarias artesanais. Dentre os queijos produzidos pela marca, destaco os denominados gourmet, por serem inseridos na receita original ingredientes que agregam e realçam seu sabor, como o queijo coalho com tomate seco picante e queijo coalho do sertão com charque.

Saindo de Teresina e viajando pelo Centro Sul do Piauí, na cidade de Picos, a 329 km da capital, encontrei pequenos produtores que comercializam seus queijos nas feiras livres, sem nenhum selo de qualidade, mas reconhecido pela região pelo sabor e pela tradição.

Lá em Picos, ainda, conhecemos uma fábrica de laticínios com quase meio século de trabalho e, por mais que hoje a produção de queijo seja em larga escala, utilizando maquinários modernos e recebendo leites de outros produtores para atender a demanda, descaracterizando completamente o conceito de queijo artesanal, Manoel Simão, proprietário da fábrica, afirma que toda sua história de sucesso começou com a produção de leite e queijo que, no início, era feito em sua casa, de maneira simples e manual, como ainda hoje, muitos fazem.

Contudo, com a ascensão dos negócios, o que era e ainda é mais importante tem sido atender sua fiel clientela com produtos de qualidade, mesmo que não leve o conceito de queijo artesanal.

Pesquisando um pouco mais e ainda na região Sul do estado, nos municípios de Coronel José Dias e São Raimundo Nonato, onde fica a famosa Serra da Capivara, a 534 km de Teresina, há a produção artesanal de um queijo que também é famoso e tradicional na região: o requeijão cardoso.

O requeijão cardoso é um requeijão de corte ou queijo de manteiga feito com leite de vaca, que é coalhado, dessorado e cozido com sal e manteiga. O processo artesanal em sua fabricação dura aproximadamente cinco horas, e cada 26 litros de leite rende sete quilos do requeijão cardoso.

De acordo com os produtores, não se sabe o porquê do nome e nem quem o levou para a região. Eles afirmam que é uma tradição local e que vem sendo repassada, ao longo dos anos, por várias gerações até os dias atuais. Nas minhas observações e pesquisas, o requeijão de corte ou queijo manteiga também é conhecido como requeijão do sertão e é muito tradicional também aqui no Nordeste. No Piauí, é o nosso requeijão cardoso.

Do sul, vamos ao norte. E lá, no litoral e nas redondezas, além de frutos do mar, há também produtores de queijo. Boa parte são os que produzem em pequena quantidade para consumo e/ou, como já fora citado acima, para comercializar informalmente.

Na cidade de Parnaíba, a 338 km de Teresina, alguns produtores, quando a procura do leite é menor que a demanda desta matéria prima, têm como alternativa produzir queijo para evitar prejuízo. Essa prática tem dado certo para alguns, indo além das expectativas e gerando muito lucro. Na fazenda de Anselmo Albuquerque, conforme apresentado em entrevista para uma emissora local, a cada 900 litros de leite, 300 são retirados para a produção de queijo de coalho e ricota, de forma bem artesanal para ser vendido a consumidores.

Saindo de Parnaíba, descendo no mapa em direção à capital, através de pesquisa, encontramos um vídeo do youtuber piauiense Chico do Museu, com o passo a passo da produção de queijo na casa de Maria Lina, que fica na zona rural da cidade de Esperantina, a 200 km de Teresina. A produtora, empregada em uma fazenda, compra o leite do patrão para produzir o queijo e vender na comunidade. Na produção, ela utiliza fogão à lenha, prensa de madeira, além de outros processos primitivos, mas que, no final, o sabor é aquele de dar água na boca.

Voltando a Teresina, conversei com mais um pequeno produtor, Adauto Queiroz, que produz queijo artesanal em pequena quantidade e, ao contrário dos outros produtores já citados, ele só produz queijo sob encomenda e para consumo próprio, pois “financeiramente não compensa”, segundo ele.  Assim, prioriza outras produções, como doce de leite e manteiga, que somados à venda do leite, tem lucro melhor que fabricando e comercializando o queijo.

As observações relatadas acima mostram que no Piauí há produção de queijo, sim. Porém de uma forma ainda muito tímida, sem força para que o produto ganhe maior visibilidade, dentro e além das fronteiras do estado, mesmo que o Selo Arte tenha sido regulamentado pelo Decreto 9.918, de julho de 2019.

Finalizando a observação, destaco uma curiosidade, não necessariamente ligada à produção de queijo no Piauí, ou pelo menos, não atualmente, mas no passado, século XIX.  No interior do Piauí, município de Campinas do Piauí, em 1897, foi construída a primeira fábrica de laticínios do Nordeste, sendo a segunda do Brasil.

Com maquinário todo importado da Europa, a fábrica produzia manteiga, leite condensado e queijo que eram considerados de excelente qualidade. Funcionou até 1947, e atualmente o imóvel encontra-se abandonado. Insiro este fato em minha observação para destacar que o Piauí poderia ter tomado rumos diferentes com relação à produção de queijos, já que em outros tempos teve esse impulso que possivelmente pouca gente tenha conhecimento.

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