Monique Badaró - Senac-BA

De olho no crescimento do consumo brasileiro de queijo artesanal, surgem no Brasil afora boutiques especializadas. Elas têm a função de reunir queijos diferenciados e apresentá-los em contextos diversos, harmonizados com outros produtos ou bebidas, cumprindo um papel de educação e estímulo ao consumo desses produtos artesanais.

O queijo artesanal é aquele produzido com leite integral, fresco e cru, técnicas tradicionais que preservam a cultura local. Visitar essas casas é um passeio cultural, pois reúnem produtos os mais variados e oriundos de diversas regiões do país ou mesmo do mundo. A experiência geralmente começa logo na entrada com o aroma dos queijos. Nas prateleiras, o visitante é apresentado a um universo de formas, cores e texturas. Alguns desses proprietários são também affineurs, ou seja, pelo conhecimento que acumulam, promovem a maturação de muitos de seus produtos.

Na medida em que a produção de queijo artesanal cresce no país, crescem também as queijarias trabalhando exclusivamente com produtos feitos no Brasil. E foi através de uma dessas boutiques especializadas que entrei em contato com vários queijos artesanais produzidos na Bahia.

Conhecer a ACave foi uma alegria sem fim. A loja fica em Salvador, no bairro da Pituba, e funciona como misto de loja/bistrô/winebar. A proprietária, Renata, uma estudiosa do tema, me deu uma aula de queijos artesanais brasileiros, com destaque para os baianos. A proposta da loja é justamente apresentá-los ao público local. Trabalha apenas com queijos artesanais de pequenos produtores, em sua maioria de leite cru.

Para degustação no local, oferece um cardápio com pratos elaborados com os queijos da casa. É uma forma de educar o paladar dos clientes, que podem sentir o sabor dos queijos em diversas receitas e contextos. A carta de vinho, com presença de vinhos brasileiros, permite propor harmonizações conforme o tipo de queijo escolhido.

Além de queijos, A Cave comercializa produtos relacionados, como mel e geleia. Os funcionários são também treinados na arte dos queijos artesanais e, na ausência de Renata, convidam os visitantes a provarem antes de escolher.

A Cave é o lugar perfeito para os que apreciam queijos e também para os que gostariam de conhecer mais sobre a produção local e nacional, que tem crescido anualmente e atingido notoriedade além-fronteiras, vencendo prêmios internacionais.

Sobre os queijos artesanais baianos, aprendi que a produção se concentra principalmente na região de Juazeiro, Irecê, Feira de Santana, Riachão do Jacuípe e nos municípios da Chapada Diamantina.

Entre os ‘finos’, degustei dois que me chamaram a atenção e sobre os quais pude pesquisar e conhecer um pouco mais, por meio de entrevistas com os produtores: o Sincorá da Serra e o boursin da fazenda Emu.

QUEIJARIA SINCORÁ DA SERRA

Queijo produzido artesanalmente na Fazenda Cajueiro, em Cascavel, no Município de Ibicoiara na Chapada Diamantina foi medalha de OURO no V Prêmio Queijo Brasil

O produtor rural Urbano Marcílio começou a produção de leite e queijo, em 2017, para abastecer a recém-inaugurada padaria da família, em Cascavel. Para assegurar a qualidade dos produtos, selecionou as vacas leiteiras das raças girolando, jersey, holandês e gir, criadas soltas no pasto e se alimentando de capim tifton e sal mineral.  Este tipo de manejo dá ao leite os níveis de gorduras e proteínas que singularizam o sabor do Sincorá da Serra.

A produção começou, portanto, pequena e localizada.  Em agosto de 2018, um amigo, o produtor de cafés especiais Luca Giovanni Allegro, proprietário da marca Latitude 13, o convidou para apresentar seus produtos em reunião promovida em sua propriedade. O evento reuniu chefs de cozinha da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro e representantes da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional do Estado da Bahia (CAR), voltada para promover o desenvolvimento regional por meio da inclusão socioprodutiva.

A receptividade foi um sucesso, o que estimulou Urbano a ampliar a produção e investir na comercialização, inaugurando uma pequena queijaria no início de 2019. No mesmo ano, participou do V Prêmio Queijo Brasil e ganhou a medalha de ouro.

Produzido a uma altitude superior a mil metros, o Queijo Sincorá da Serra tem características únicas. Preparado com lei de vaca cru, fermentação estimulada a partir do pingo de soro do dia anterior, este queijo curado possui consistência macia e clara por dentro e uma camada firme e amarelada por fora, com sabor encorpado e marcante.

Massa prensada à mão, o queijo apresenta uma camada externa amarelada e firme, com textura cremosa e macia. Cada queijo pesa entre 1 e 1,3 kg. O processo de cura do Sincorá da Serra, que tem o papel de deixá-lo mais saboroso e com texturas e aromas próprios, dura 40 dias. Este tempo de maturação varia conforme o queijo. Prateleiras de madeira em ambiente com umidade e temperatura controlados.

Como muitos tipos de queijos tradicionais, o Sincorá da Serra é também maturado em prateleiras de madeiras. Estas mantêm o calor na massa, dando melhor coesão entre os grãos e uma prensagem mais eficiente.

QUEIJARIA EMU

Produz Boursin, Gouda, Requeijão, Muçarela, em Oliveria dos Campinhos, na Bahia

André Teixeira, o mestre queijeiro da Fazenda EMU, é um engenheiro eletricista aposentado da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba), adquirida pelo Grupo Neoenergia, terceira maior distribuidora de energia elétrica do país.

Seu interesse por queijos começou na adolescência. Quando seu pai comprou uma fazenda de gado em Itaeté, na Chapada Diamantina, ele teve vontade de se lançar na arte de fabricar queijos, montando uma mini queijaria.

O projeto era produzir queijos tipo minas padrão com o leite da fazenda, que criava gado de corte. “O projeto não deu certo, era muito longe e a administração muito difícil, mas foi um aprendizado”, conta André.

Nos anos 90, quando a família se mudou para Portão, em Lauro de Freitas, André se lançou em uma nova empreitada, montando um criatório de cabras saanem, considerada a raça caprina com maior produção de leite. As cabras eram confinadas e todo o leite coletado era pasteurizado e destinado à produção de queijos frescos tipo boursin. O projeto foi encerrado em 1997 por problemas de segurança no local.

Desejoso de continuar a experiência, ele retomou a atividade pecuária em 2002, quando comprou sua própria fazenda, em Oliveira dos Campinhos, no Recôncavo Baiano. Na Emu, seu objetivo inicial era continuar com a criação de cabras de leite, em uma escala maior do que o projeto anterior, mas como foi desaconselhado, em razão das dificuldades de comercialização, e acabou adiando.

No lugar, começou a criação de carneiros dorper e de algum gado. A criação de carneiros não prosperou por problemas sanitários, enquanto que a de vacas foi bem-sucedida. Hoje a fazenda conta com cerca de 80 cabeças.

Em 2018, André conta que contratou a professora Maria Helena Silva, mestra em química analítica, para ajudá-lo a organizar a produção de queijos. “Foi uma iniciativa muito boa, e melhorou muito o padrão dos produtos”, declara André.

Junto com Neide, a queijeira da Fazenda Emu, tomou cursos que os ensinaram as técnicas mais adequadas para a produção de queijo de qualidade. Com novas instalações desde 2019, a queijaria Emu hoje possui capacidade para processar até 80 litros por dia. Conta com uma câmara de maturação e um tanque de água gelada.

Atualmente, com gado guzerá criado a pasto, segundo um manejo sustentável (sistema Voisin), a Fazenda Emu produz um leite de maior valor biológico. Esse sistema de pastoreio, além de preservar o meio ambiente, pois mantém a fertilidade do solo, resulta em um leite com maiores teores de compostos benéficos à saúde, tais como os ácidos graxos poliinsaturados e os carotenóides.

A produção de leite varia de 30 a 80 litros e é destinada à fabricação de leite desnatado pasteurizado, creme de leite, manteiga artesanal, queijo frescal, requeijão, queijo tipo boursin, queijo muçarela, queijo tipo gouda, queijo tipo reino, doce de leite e iogurte.

Para a fabricação dos queijos, utiliza leite pasteurizado, coalho e fermento lático industrial. Produzidos em pequena escala, os produtos destinam-se, conforme afirma Teixeira, ao consumo pessoal, da família e de amigos.

Na Cave, provamos a série de queijos do tipo boursin, contendo cada um diferentes texturas e ervas ou especiarias. O com pimenta preta moída tem um sabor picante que se atenua com a cremosidade característica desse tipo de queijo fresco. O com manjericão traz o gosto delicado da erva, e é igualmente saboroso.

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