Uelcimar Cerqueira dos Santos - Senac-BA

Diante do potencial característico nordestino, voltado para o gado caprino e ovino na produção de queijos artesanais, vale citar que a Bahia tem como grande referência culinária a utilização do requeijão e do queijo coalho (derivados do gado bovino), ambos apresentando grande preocupação com o controle higiênico sanitário, ligados à comercialização. Principalmente do coalho assado na hora, em praias e eventos de rua, embora este tema entre em outra abordagem, merecendo um capítulo à parte.

Começar-se-á desvendando o processo de elaboração do requeijão, que na Bahia, tem a região de Santa Barbara como a produtora mais famosa, desde os anos 1950/60. Com uma culinária diversificada, a cidade tem na produção e comercialização do requeijão é o marco forte da cidade. Quando se menciona Santa Bárbara, a referência ‘terra do requeijão’ é claramente subentendida. Diariamente, um grande número de pessoas para nas lanchonetes locais para apreciar e comprar o famoso requeijão e os doces em compotas.

A cidade vende o melhor e mais famoso requeijão da Bahia, e a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), ligada à Secretaria da Agricultura (Seagri), vem investindo para regularizar a produção e a comercialização de produtos lácteos na região. Um projeto para a construção da unidade de beneficiamento de leite foi apresentado, visando organizar a cadeia produtiva fornecendo queijo, manteiga, requeijão e demais produtos, com inspeção sanitária viabilizado pela Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional (Sedir), através da Companhia de Ação Regional (CAR). O planejamento prevê uma capacidade produtiva com cinco mil litros de leite por dia, e auxílio da agricultura familiar fornecendo a matéria prima.

ZÉ DO OURO – A famosa barraca de Zé do Ouro, que fica aberta 24 horas, utiliza esse marketing do requeijão e hoje se tornou um ponto de referência para quem viaja na direção de Feira de Santana, rumo ao sertão, pela BR-116, conhecida como Rio-Bahia.

Destaque local, na barraca é possível encontrar, além do famoso requeijão local, goiabada cascão de Minas Gerais, queijo de Governador Valadares, doce de leite e compotas de goiabas do Jacuípe, biscoitos e avoadores de Santo Antônio de Jesus, manteiga de garrafa, carne-do-sol, linguiças de boi e de bode, costelas de bode, quartos de carneiro, ovos de galinha caipira, farinhas de mandioca, queijo coalho, entre outras especialidades.

Os produtos em barra são um tipo de queijo fundido. É obtido a partir da fusão de uma massa de coalhada dessorada e lavada preferencialmente com leite, para diminuir a acidez. A coalhada das produções artesanais e caseiras é obtidas através do aquecimento do leite a 30ºC, ficando em repouso por um mínimo de 24hs. A nata superficial deve ser reservada e a coalhada aquecida juntamente com seu soro à 50ºC, para só então ser escoada e lavada com leite para reduzir a acidez.  A massa é obtida através da coagulação ácida e/ou enzimática do leite, com acréscimo de creme de leite ou manteiga, temperada com sal no cozimento final.

PROCESSO PASSO A PASSO

Pasteurização – O leite para a fabricação do requeijão em barra deve ser pasteurizado. A pasteurização do leite pode ser feita tanto pela pasteurização rápida quanto pela lenta. A pasteurização rápida, utilizando-se o pasteurizador de placas, à temperatura de 72 a 75 ºC, por um período de 15 a 20 segundos, é mais utilizada hoje em grande parte dos laticínios brasileiros. A pasteurização garante maior controle e qualidade do produto.

Coagulação – A coagulação pode ser feita de diversos métodos, sendo os mais utilizados a fermentação lática, a acidificação direta com uso de ácido lático e a precipitação enzimática, esta última menos utilizada. O método de fermentação lática, com a fermentação natural, sem adição de fermento lático, é o mais utilizado pelos pequenos produtores. Nesse, pelo menos um terço do leite (podendo utilizar até todo o leite) a ser utilizado para a produção é pasteurizado e resfriado até a temperatura de 40 ºC.

Em seguida, a mistura é mantida em repouso por um período de 12 horas, para que acidifique e possa ser utilizada para a fabricação da massa do requeijão. No dia seguinte, esse leite estará ácido e coalhado, devendo ser homogeneizado com o auxílio de um agitador.

Aquecimento e dessoragem – O objetivo desse aquecimento é favorecer a saída do soro. O leite coagulado é transferido para o tacho a vapor, com o restante do leite, sob agitação. Ambos são aquecidos sob constante agitação, até que alcancem a temperatura de 47 °C. Se o aquecimento for realizado em temperatura elevada, isto é, superior a 50 °C, em qualquer das etapas anteriores, a massa irá enrijecer, além de formar grânulos indesejáveis no produto final.

Em alguns casos, a acidez do leite não é suficiente para que ocorra a precipitação. Nesses casos, é necessária a adição de ácido lático diluído a 10%. Para adicionar o ácido lático, inicie uma agitação vigorosa e adicione o ácido. Ele deve ser adicionado lentamente para que a acidez não se eleve muito em determinadas partes da massa. Após a precipitação, continue a agitar vigorosamente por mais uns 3 a 4 minutos, para completa expulsão do soro.

Prensagem da massa – A massa deve passar pelo dessorador, sendo pressionada para a eliminação do excesso de água.

Aquecimento e adição de sal de cozinha – após a prensagem, a massa deve ser colocada no tacho aberto e o vapor acionado, sob constante agitação. Com a massa aquecida, adicione o sal de cozinha aos poucos. Com o processo de agitação, a massa começa a derreter, ficando mais compacta, esticando no fundo do tacho.

Adição de creme – Quando a massa começa a derreter, é necessário iniciar a adição do creme lentamente e sob constante agitação. Com essa adição, a textura da massa se modifica, perdendo o aspecto de borracha. Continue esse procedimento até acrescentar todo o creme.

Adição de sal fundente – Logo em seguida à adição do creme, quando a massa modificar a sua textura, inicie a adição do sal fundente. Após a adição, deve-se manter processo de agitação e aquecimento da massa. A textura do produto começa a se modificar novamente, ficando com o aspecto de um creme macio e bastante homogêneo. Isso acontece porque o sal fundente tem a função de derreter e manter unidos, homogeneamente, todos os ingredientes do requeijão.

Determinação do ponto da massa – O processo de aquecimento e agitação continua até que a massa atinja o ponto do requeijão em barra, normalmente quando a temperatura atinge cerca de 85 °C. Este ponto pode ser verificado de diversas formas, sendo a mais fácil com auxílio de uma faca, esfregando-se uma porção da massa sobre a lateral da forma. Quando essa amostra não grudar e permitir a confecção de um pequeno cilindro, ela estará no ponto e o processo de aquecimento deve ser interrompido.

Enformagem – Com a massa no ponto, ela deve ser enformada, ainda quente, para aproveitar a fluidez e eliminar algum contaminante que possa existir na forma.

QUEIJO COALHO

O queijo coalho é uma das variedades mais consumidas pelos baianos, apresentando-se como forte concorrente do requeijão. Bastante conhecido entre os nordestinos, é uma das muitas diversidades tradicionais de queijos e tem importância ímpar no contexto socioeconômico, em razão da alta comercialização e consumo.

Muito comum no Nordeste, pode ser consumido in natura, assado na chapa ou na brasa, e integra uma boa leva de iguarias espalhadas pelos estados, principalmente no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia. Também está presente em iguarias culinárias com o baião de dois do Ceará, a paçoca com carne do sol do Rio Grande do Norte e o rubacão da Paraíba, além da famosa sobremesa cartola, de Pernambuco.

Na Bahia é comum encontrar o queijo coalho nas praias, assado na brasa, espetado em um palito e servido com melado. Também acompanha, nos botecos e restaurantes, a carne de sol ou uma bela picanha marmorizada de uma gordura branca. É produzido, na maioria das vezes, de forma artesanal, em pequenas indústrias ou propriedades rurais, e costuma ser alvo de alguns questionamentos sobre o processo produtivo, já que muitas vezes não emprega as boas práticas de fabricação. Também por utilizar o leite cru como principal matéria prima no processo de fabricação. Esse assunto merecendo um capítulo à parte.

O queijo coalho tem produção definida pelo descrito na Instrução Normativa de nº 30, de 26 de junho de 2001, como produto obtido através da coagulação do leite por meio do coalho ou outras enzimas coagulantes apropriadas, complementada ou não pela ação de bactérias lácteas selecionadas, e comercializado normalmente com até dez dias de fabricação. Classificado como queijo de média a alta umidade, de massa semi cozida ou cozida, que apresenta um teor de gordura nos sólidos totais variando entre 35,0% e 60,0% (Brasil, 2001).

Configura-se como um produto muito rico do ponto de vista nutricional e se destaca por representar um considerável percentual de proteína, vitaminas, minerais, cálcio, ferro e fósforo constituindo-se um alimento apropriado para todas as idades.

De acordo com trabalho de pesquisa da Embrapa, o processo de fabricação resume-se na recepção do leite, pasteurização para eliminação de microrganismos patogênicos, adição de fermento, cloreto de cálcio e coalho, seguindo com as etapas de coagulação, corte da coalhada, mexedura, cozimento da massa, salga, prensagem e viragem, maturação e embalagem (NASSU; MACEDO; LIMA, 2006). O fluxograma abaixo foi criado de acordo com a base de pesquisa dos autores anteriormente citado.

O queijo manteiga ou simplesmente requeijão, como é popularmente chamado na Bahia, e o queijo coalho são, sem sombra de dúvidas, um referencial nos hábitos alimentares que permeiam a vida das famílias de baixa renda da zona urbana e rural. Talvez muitos não tenham noção do sabor de um gruyère, gouda, brie, camenbert, emmental, feta, roquefort entre tantos outros, mas certamente têm em sua memória afetiva a lembrança do requeijão na mesa do café da manhã. Assim como do fogareiro improvisado em uma lata de leite em pó, com alça de arame, cheio de carvão em brasa e girando ao vento, com cheiro de maresia, pelas praia do litoral baiano e nas festas populares.

Quando se fala de cultura gustativa, memórias afetivas, hábitos alimentares passados de geração em geração, muitas vezes não se consideram os padrões estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Por mais que se tenha fugido desse tópico, neste momento de escrita, o tema se faz presente. Para finalizar, será abordado um ponto importante que é a comercialização do produto no estado.

COMERCIALIZAÇÃO – O sonho de todo produtor é poder comercializar livremente seu produto por todo o país. O primeiro grande passo na normatização da comercialização dos queijos artesanais deu-se com a criação do Selo Arte, instituído pela Lei 13.680 de 14 de junho de 2018, e regulamentado pelo Decreto 9.918 de julho de 2019, como forma de regularização dos produtos alimentícios de origem animal, desde que sejam produzidos de forma artesanal, atendendo a uma demanda antiga da sociedade, na busca de desburocratizar a regularização dos empreendimentos da agricultura familiar e de produtores artesanais, permitindo a comercialização desses produtos para todo o território nacional. Dessa forma, basta que a empresa registre o seu empreendimento e o seu produto no Sistema de Inspeção Estadual (SIE), e ele poderá ser comercializado em qualquer parte do país, inclusive para os mercados institucionais.

Os produtores artesanais têm buscado diferenciais competitivos para seus fabricos, visando oferecer os produtos tão apreciados pelos baianos e turistas a todo o país. O processo exige padrões de qualidade sanitária, dando aos clientes garantias de um produto confiável. O caminho para esse novo degrau passa pelas fiscalizações municipais e estaduais, através dos selos de inspeções. Exemplo disso, a CaprilKadosh, uma fazenda que se especializou na produção de queijo de cabra, conseguiu o selo do SIE, no ano de 2019, ampliando seu poder de abrangência no estado.

O Selo Arte é concedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) com base na forma de produção e singularidade do produto, itens fundamentais para a classificação, e que podem evitar eventuais distorções na concessão do selo a empreendimentos que não sejam genuinamente artesanais.

Devem ser elaborados com predominância de matérias-primas de produção própria e de origem determinada, resultantes de técnicas predominantemente manuais, adotadas por indivíduos que detenham o domínio integral do processo produtivo.

O empreendimento e o produto devem está registrados no SIE, um método de controle usado pelo governo na tentativa de eliminar riscos de contaminação e, consequentemente, doenças e infecções. O principal objetivo do selo é assegurar que o produto está apto ao consumo, não apresentando indícios de dano ao consumidor, estabelecendo dessa forma uma relação em que produtor é contemplado com a permissão legal para comercializar. O fabricante, por sua vez, se compromete com a segurança do consumidor e a qualidade do produto oferecido.

Inicialmente é necessário construir um processo para aprovação préviapor meio do qual é elaborado um projeto de construção/instalação do estabelecimento, onde devem ser consideradas as normativas específicas de uma unidade de alimentação e nutrição (UAN), devidamente pontuada na RDC216, observando-se aspectos sanitários e tecnológicos necessários. Além de verificar se o produtor possui toda a documentação necessária, após a entrega dos documentos ao órgão responsável, será feita uma conferência documental e estando em conformidade, será aberto o processo de registro do estabelecimento.

Dentre as normas exigidas para a retirada do selo SIE, destaca-se o rótulo contendo as informações corretas, especificações do local de produção bem como do terreno onde o mesmo se encontra, especificações de abate (caso o mesmo ocorra sob responsabilidade do produtor), tudo isso visando o bem-estar e a saúde do consumidor.

REFERÊNCIAS:

NASSU, R. T.; MACEDO, B. A.; LIMA, M. H. P. Queijo Coalho. Embrapa Informação Tecnológica. Brasilia, 2006.

BRASIL. Ministério da Agricultura e pecuária e Abastecimento. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Secretaria de defesa agropecuária. Portaria nº 146 de 07 de março de 1996. Brasil, Brasília, 1996.

BRASIL. Ministério da saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC nº 12 de janeiro de 2001. Regulamento Técnico sobre padrões microbiológicos para alimentos. Diário Oficial da União, Brasília, 02 de jan de 2001.

BRASIL. Ministério da Agricultura, pecuária e abastecimento. Regulamento técnico de produção, identidade e qualidade, Coleta e transporte de Leite. Instrução normativa Nº 51. Diário oficial da União. Brasília, 18 de setembro de 2002.

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Secretaria de Defesa Agropecuária. Instrução normativa nº 30, de 26 de junho de 2001. Regulamentos técnicos de identidade e qualidade de manteiga da terra ou manteiga de garrafa; queijo de coalho e queijo de manteiga. Brasília; 2001.

BRASIL. Ministério da Saúde. Surtos e doenças transmitidas por alimentos no Brasil. Secretaria de vigilância em saúde – SVS. Junho, 2016. Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2016/junho/08/Apresenta—-o-Surtos-DTA2016.pdf

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9918.htm

https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2018/lei-13680-14-junho-2018-786861-publicacaooriginal-155848-pl.html

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5741.htm

http://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-n-28-de-23-de-julho-de-2019-203422087

Portaria Nº 67, DE 31 DE JULHO DE 2019 (http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/anexo-208197250)

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