Monique Badaró - SENAC-BA

Originário da bacia Amazônica, o cacau foi trazido para o sul da Bahia no século XVIII. Desde então o produto ganhou força e o Estado é o maior produtor nacional. A região possui a particularidade de reunir territorialmente todos os agentes da cadeia de valor: produtores (cacauicultores), indústria (traders, moageiros/processadores, fabricantes), mercado consumidor, instituições de pesquisa e outras.

Após um longo período de crise iniciada no final dos anos 80, com a infestação da praga vassoura-de-bruxa e queda vertiginosa da produção de cacau, a região cacaueira não só inicia a recuperação da produção, mas também passa a produzir chocolate artesanalmente.

FAZENDAS DE CHOCOLATE – Seguindo a tendência do setor de alimentos no mundo e o aumento do consumo consciente, que valoriza os produtos artesanais, naturais e sustentáveis, os fazendeiros da região cacaueira (que engloba também o ES) decidiram verticalizar sua produção, fabricando chocolate premium, desenvolvidos dentro do conceito tree-to-bar. Em paralelo, surgiram também os chocolates bean-to-bar, elaborados por chocolatiers locais que adquirem amêndoas dos fazendeiros da região.

O que isso significa ao certo premium, tree-to-bar e bean-to-bar?

A palavra premium vem do latim praenium e significa “prêmio”, “recompensa”, ou “qualidade excepcional em relação a outros de seu tipo. ”. Também chamado de fino ou gourmet, o chocolate premium é, portanto, aquele considerado de alta qualidade, feito com alto teor de cacau.

O conceito bean-to-bar (da amêndoa à barra) nasceu na Califórnia e caracteriza o chocolate produzido artesanalmente com amêndoas provenientes de uma região específica, cujas plantações e processo de transformação dos grãos são conhecidos do fabricante. Também chamado de cacau de origem, o chocolatier conhece e monitora cada fase da produção, sendo possível indicar procedência (país, região ou mesmo a fazenda e o ano de colheita) do cacau utilizado para fabricar a barra, o que faz com que cada uma possua sabores e aromas específicos.

O tree-to-bar (da árvore à barra) significa que o chocolate foi feito pelo fazendeiro, que não só planta e colhe, mas também faz o beneficiamento do cacau.

Importa ressaltar que ambos os conceitos não garantem a qualidade do chocolate, pois esta depende da variedade do cacau, local de plantação, condições climáticas, fermentação; da qualidade de todos os ingredientes usados e do modo de preparo. De modo geral, as produções do bean-to-bar e tree-to-bar são em pequena escala, com amêndoas de cacau selecionadas e alto teor de cacau e de uma única variedade.

Trazem pouco açúcar e são geralmente sem leite. A alta concentração de cacau aumenta os valores nutritivos desses chocolates, pois concentram mais antioxidantes. Em contraposição, os chocolates comuns são feitos industrialmente da mistura de amêndoas de diferentes procedências com diversos aditivos para uniformizar o sabor.

Especificidades do chocolate made in Bahia:

MATÉRIA PRIMA COM INDICAÇÃO GEOGRÁFICA 

O cacau da Bahia, nas variedades crioulo, forasteiro e trinitário, é cultivado sob a sombra de árvores nativas da Mata Atlântica. Denominado de cacau-cabruca, esse sistema agroflorestal permitiu a conservação de muitas espécies vegetais. O ecossistema cacaueiro é único no mundo e traz uma real contribuição também para a manutenção da fauna regional, do solo e dos recursos hídricos.

Com Indicação Geográfica de Procedência (IP), o cacau da região Sul da Bahia é reconhecido pela identidade territorial e cultural que atestam origem e qualidade dos processos de produção. A diferenciação expressa pela IP ajuda a preservar o sistema cacau-cabruca, ameaçado de destruição, imprime identidade, reputação à matéria prima, agregando valor ao chocolate produzido na região.

Importante ressaltar que além do cacau-cabruca, a região vem cultivando também o cacau orgânico.

FERMENTAÇÃO E SECAGEM

O processo de fermentação e secagem do cacau definem a qualidade das amêndoas, seus aromas e sabores diferenciados. A fermentação serve para retirar a mucelagem, evitar a germinação do grão e provocar reações químicas e enzimáticas na parte interna da semente. O processo e duração (de três a sete dias) mudam segundo a variedade de cacau. A secagem é responsável por retirar a água ainda presente na amêndoa fermentada. Realizada ao sol, a desidratação natural das sementes dá origem a grãos de excelente qualidade.

Algumas amêndoas da região, pelo processo aperfeiçoado de fermentação, vêm angariando prêmios internacionais. O cacau produzido por João Tavares, por exemplo, da Fazenda Leolinda, no município de Uruçuca, que desenvolveu um sistema próprio de beneficiamento, foi premiado duas vezes no Salão do Chocolate de Paris, como o melhor cacau da categoria chocolate da América Latina (2010) e como melhor amêndoa de cacau da América do Sul, (2011).

Em 2019, suas amêndoas estão entre as finalistas do Salão. Pioneiro na produção de cacau fino, alguns chocolates bean-to-bar produzidos com suas amêndoas têm também obtidos prêmios internacionais, tais como o Chocolate Q, primeira marca brasileira premiada no Chocolat International Awards, nos Estados Unidos. O Cacau do Céu levou a medalha de bronze em 2018 no concurso Bean to Bar Brasil. As amêndoas de Tavares também compõem chocolates de Alain Ducasse (França) e Pierre Marcolini (Bélgica).

FABRICAÇÃO

Para o preparo do chocolate, as amêndoas secas são limpas, torradas e, em seguida, descascadas. Obtêm-se inicialmente as nibs (carne da semente), que serão moídas para se transformarem em massa, pasta ou licor de cacau. Com uma textura bastante fina, essa massa pode ser acrescida de açúcar ou mesmo leite em pó. Pode também receber, mais manteiga de cacau para enriquecer e modificar sua consistência.

ESTRUTURAS DO GOSTO

Apesar de o mercado beans-to-bar / tree-to-bar estar em plena expansão, os chocolatiers baianos reclamam que o consumidor brasileiro não desenvolveu ainda um paladar suficientemente apurado para apreciar este novo tipo de chocolate. Pesquisas apontam que ele vem aumentando a sua preferência por produtos feitos artesanal e localmente, embora o gosto precise ainda ser trabalhado.

Observa-se que o chocolate tem sido identificado ao vinho. O seu caráter e sabor dependem, tanto quanto o vinho, da genética, do clima, do solo e das práticas de beneficiamento. Alguns gostam do chocolate meio amargo e amargo, com maior concentração de cacau. Estes prestam atenção à qualidade dos ingredientes do chocolate e concordam com a afirmação de que os chocolates com mais cacau têm sabor diferenciado. A maioria prefere ainda os chocolates com mais leite e açúcar.

Os produtores do sul da Bahia com seus produtos artesanais e de qualidade conseguiram na verdade um grande feito, na medida em que a estrutura de gosto do brasileiro, tradicionalmente tendente a rejeitar tudo o que é nacional em favor do que é estrangeiro, como observou o sociólogo Carlos Alberto Dória, já começou a mudar. Com efeito, o chocolate premium da Bahia se legitimou, sendo hoje comparado ao “chocolate belga” considerado no Brasil sinônimo de alta qualidade. E a tendência é que os produtos artesanais, gourmet e especializados ganhem mais espaço na preferência dos consumidores.

O CHOCOLATE NA GASTRONOMIA

O cacau é antes de tudo considerado uma especiaria. Além da bebida, o chocolate é principalmente utilizado na confeitaria, embora se prepare também molhos salgados para acompanhar proteína animal. O mais conhecido é o mole poblano, que acompanha o frango no México. A cozinha francesa o utiliza para acompanhar peixes, frutos do mar e carnes.

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